QUALIFICAÇÃO
REGISTRÁRIA DE ATOS E TÍTULOS ADMINISTRATIVOS
O
serviço notarial e de registro, regido primordialmente pelas Leis 6.015/73 e
8.935/94 visa a garantir a publicidade, autenticidade, segurança e eficácia dos
atos jurídicos.
Os notários, também conhecidos como tabeliães, e os oficiais de registro são
profissionais do direito dotados de fé pública a quem é delegado o serviço.
A fé pública é a presunção relativa, atribuída pela lei, de que aquilo que se
atesta é verdadeiro e autêntico. E o que seria este atributo da autenticidade?
Por autenticidade se entende a qualidade daquilo que é confirmado por ato de
autoridade. Cuida-se do documento ou declaração verdadeiros, sendo que o
registro cria uma presunção relativa desta verdade.
No exercício de seu mister, os notários e registradores devem zelar pela
segurança e veracidade dos atos levados a registro, e uma das maneiras de
alcançar tal objetivo é a criteriosa realização da qualificação registral.
A qualificação registral é a análise da legalidade e da possibilidade de registro
dos títulos apresentados, que deve ser realizada por imposição do princípio da
legalidade.
Com efeito, a validade do registro depende da validade do título e do negócio
jurídico que lhe dão suporte. Para a doutrina dominante, o dever de garantir a
publicidade e autenticidade, segurança e eficácia dos atos jurídicos levados a
registro exige que o registrador impeça o ingresso de títulos nulos ou
anuláveis, desde que se trate de vício intrínseco ao título, como veremos
linhas adiante.
Afrânio de Carvalho assim descreve a qualificação registrária:
... cumpre interpor entre o título e a inscrição um
mecanismo que assegure, tanto quanto possível, a correspondência entre a
titularidade presuntiva e a titularidade verdadeira, entre a situação registral
e a situação jurídica, a bem da estabilidade dos negócios imobiliários. Esse
mecanismo há de funcionar como um filtro que, à entrada do registro, impeça a
passagem de títulos que rompam a malha da lei, quer porque o disponente careça
da faculdade de dispor, quer porque a disposição esteja carregada de vícios
ostensivos.
Todos os títulos estão sujeitos à qualificação, mesmo os títulos
administrativos e judiciais. Neste último caso, porém, o mérito das decisões
será sempre respeitado, ficando a análise do registrador circunscrita aos
elementos formais e obediência aos princípios que norteiam os registros
públicos (legalidade, prioridade, consecutividade, especialidade, etc.). Assim,
por exemplo, analisa-se se a assinatura do juiz constante do título foi
devidamente reconhecida pelo escrivão, se a competência absoluta foi
respeitada, ou se o que ordena o título é congruente com o processo respectivo.
Caso o título apresentado advenha de um ato administrativo, que goza da presunção
de legalidade, novamente o controle de legalidade pelo registrador se limitará
aos aspectos formais do ato. O controle de legalidade material do ato
administrativo deverá ser suscitado judicialmente.
Inicialmente
é feito o protocolo do título, exceto se o documento é apresentado tão somente
para exame e cálculo de documentos. Caso o título esteja perfeito, será
registrado. Se apresentar vícios sanáveis, todas as exigências para tanto serão
apresentadas por escrito pelo Oficial do Registro ao apresentante do título.
Caso se trate de vícios insanáveis, o título é devolvido ao apresentante e
anota-se o fato no protocolo da serventia.
A própria Lei de Registros Públicos enumera as cautelas que devem ser tomadas
na qualificação do titulo de modo a se acautelar contra a disputa de grau entre
hipotecas ou a eventual existência de direitos contraditórios sobre o mesmo
título; garantir a higidez do instrumento ou o cumprimento dos princípios
registrais como a especialidade e a continuidade:
Art. 189 - Apresentado
título de segunda hipoteca, com referência expressa à existência de outra
anterior, o oficial, depois de prenotá-lo, aguardará durante 30 (trinta) dias
que os interessados na primeira promovam a inscrição. Esgotado esse prazo, que
correrá da data da prenotação, sem que seja apresentado o título anterior, o
segundo será inscrito e obterá preferência sobre aquele. (Renumerado do art. 190 com nova redação pela Lei nº
6.216, de 1975).
Art. 190 - Não serão registrados, no mesmo
dia, títulos pelos quais se constituam direitos reais contraditórios sobre o
mesmo imóvel. (Renumerado do art. 191 com nova redação pela Lei nº
6.216, de 1975).
Art. 194 - O título de natureza particular
apresentado em uma só via será arquivado em cartório, fornecendo o oficial, a
pedido, certidão do mesmo. (Redação dada pela Lei nº 6.216, de 1975).
Art. 195 - Se o imóvel não estiver
matriculado ou registrado em nome do outorgante, o oficial exigirá a prévia
matrícula e o registro do título anterior, qualquer que seja a sua natureza,
para manter a continuidade do registro. (Renumerado do art. 197 com nova redação pela Lei nº
6.216, de 1975).
Art. 196 - A matrícula será feita à vista dos
elementos constantes do título apresentado e do registro anterior que constar
do próprio cartório. (Renumerado do art. 197 § 1º com nova redação pela Lei
nº 6.216, de 1975).
De todo modo, ao realizar a qualificação registrária cabe ao oficial do
registro examinar os elementos extrínsecos do título, ou seja, aqueles
elementos de ordem formal, percebida pelo sentido da visão, pois sua atividade
é de cunho administrativo e sua atuação se limita à legalidade estrita. Vícios
sobre os elementos intrínsecos, consoante a doutrina majoritária, não são
objeto da qualificação do título e devem ser discutido judicialmente. Desse
modo vícios subjetivos, a exemplo do dolo, não devem ser pesquisados pelo
registrador.
Interessante questão que se coloca diz respeito aos negócios jurídicos
viciados. Doutrina e jurisprudência divergem entre o entendimento segundo o
qual apenas as nulidades pronunciáveis de ofício deveriam ser objeto da
qualificação e o entendimento de acordo com o qual também os atos anuláveis
poderiam ensejar a negativa de registro.
A favor da primeira corrente está o argumento de que as anulabilidades não
afetam o interesse público e somente podem ser arguídas pelos interessados. Em
não sendo alegadas, o negócio jurídico convalesce.
Assim dispõe o Código Civil.
Art. 172. O negócio anulável pode
ser confirmado pelas partes, salvo direito de terceiro.
Art. 173. O ato de confirmação deve conter a
substância do negócio celebrado e a vontade expressa de mantê-lo.
Art. 174. É escusada a confirmação expressa,
quando o negócio já foi cumprido em parte pelo devedor, ciente do vício que o
inquinava.
Art. 175. A confirmação expressa,
ou a execução voluntária de negócio anulável, nos termos dos arts. 172 a 174, importa a extinção de todas as ações, ou exceções,
de que contra ele dispusesse o devedor.
Art. 176. Quando a anulabilidade do ato resultar da
falta de autorização de terceiro, será validado se este a der posteriormente.
Art. 177. A anulabilidade não tem efeito
antes de julgada por sentença, nem se pronuncia de ofício; só os interessados a
podem alegar, e aproveita exclusivamente aos que a alegarem, salvo o caso de
solidariedade ou indivisibilidade.
A
despeito da robustez de tal tese, predomina o entendimento de acordo com o qual
também as nulidades relativas devem ser objeto de investigação pelo legislador,
conquanto digam respeito a defeitos extrínsecos ao negócio jurídico. Em outras
palavras, as anulabilidades que maculem exclusivamente o título, e apenas
essas, devem ser sanadas antes de realizar-se o registro. Vícios internos,
subjetivos, como o dolo ou erro, não devem ser investigados pelo oficial de
registro. São exemplos de anulabilidades extrínsecas ao negócio a incapacidade
relativa, a ausência de consentimento do cônjuge na venda de bem imóvel comum,
o não atendimento a requisitos formais ou a ausência de anuência dos irmãos e
cônjuge na venda de imóvel de ascendente para descendente.
Esta
segunda corrente, majoritária, entende que a Lei 8.935/94 impõe ao registrador
o dever de zelar pela autenticidade, segurança e eficácia dos negócios
jurídicos. Com efeito, a finalidade do registro é resguardar a segurança
jurídica e a prevenção de futuros litígios realiza tal desiderato, sendo que a
limitação da investigação aos vícios exteriores do título é compatível com a
natureza administrativa e não jurisdicional da atividade registral.
Art. 1º Serviços notariais e de registro são
os de organização técnica e administrativa destinados a garantir a publicidade,
autenticidade, segurança e eficácia dos atos jurídicos. (Lei 8.935/94)
Em
síntese, a qualificação registral é o exame feito pelo registrador do
cumprimento dos requisitos formais, previstos em lei, pelo título levado a
registro. Seu objetivo é garantir que o serviço de registro garanta a
publicidade, autenticidade, segurança e eficácia dos atos jurídicos.
Mas, e
se ocorrer de um negócio nulo ou anulável ser registrado? Primeiramente,
deve-se consignar que em nosso ordenamento jurídico o registro não tem o efeito
saneador que goza em outros sistemas, como o alemão. Consequentemente, o mero
fato de um título viciado ter logrado êxito em ser registrado não convalesce
seu vício e pode vir a ser anulado. No Brasil, a validade do registro depende
da validade do negócio jurídico que lhe deu origem (princípio da legalidade).
Inobstante
se reconheça o princípio da presunção de eficácia dos registros, este coexiste
com o princípio da legalidade ou legitimidade. E como se dá tal coexistência? O
artigo 252 da Lei de Registros Públicos – Lei 6.015/73 traz a solução:
Art. 252 - O registro, enquanto não cancelado,
produz todos os efeitos legais ainda que, por outra maneira, se prove que o
título está desfeito, anulado, extinto ou rescindido.(Renumerado do art. 257 com nova redação pela Lei nº
6.216, de 1975)
Em
suma, uma vez invalidado o negócio jurídico subjacente, também será anulado o
registro. Porém, enquanto não promovida a anulação do negócio e cancelado o
registro tido por irregular, não cabe ao registrador negar-lhe efeitos.
Consequentemente, enquanto não ultimado o cancelamento do registro, o oficial
de registros não poderá evitar a prática de outros atos, pois entre nós o
registro produz todos os efeitos legais enquanto não for cancelado. O art. 1.245
do Código Civil reafirma esta solução legal:
Art. 1.245. Transfere-se entre vivos a propriedade
mediante o registro do título translativo no Registro de Imóveis.
§ 1o Enquanto não se
registrar o título translativo, o alienante continua a ser havido como dono do
imóvel.
§ 2o Enquanto não se
promover, por meio de ação própria, a decretação de invalidade do registro, e o
respectivo cancelamento, o adquirente continua a ser havido como dono do
imóvel.
Existe,
porém, uma situação em que a presunção de eficácia do registro deverá ceder,
por razão lógica. Cuida-se da hipótese de duplicidade de registros. Se, por
acaso, existirem duas matrículas para o mesmo imóvel, não há como estabelecer
qual desses registros deve ser presumido eficaz, justamente porque não se pode
admitir uma presunção que favoreça, simultaneamente, duas pessoas cujos
direitos são inconciliáveis. Nesse caso, não se poderá praticar qualquer ato
registral futuro até que se solucione adequadamente, qual dos registros é o
válido.
REFERÊNCIAS
BIBLIOGRÁFICAS
CARVALHO, Afrânio
de. Registro de Imóveis: comentários ao sistema de registro em face da
Lei 6.015, de 1973, com as alterações da Lei nº 6.216, de 1975. 2a ed.
Rio de Janeiro: Forense, 1977
CENEVIVA,
WALTER. Lei dos Registros Públicos Comentada. 20a ed.
São Paulo: Saraiva, 2010.
LOUREIRO,
Luiz Guilherme. Registros Públicos: teoria e prática. 3a ed.
Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2012.
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